15 julho, 2008

Festa da aldeia

Lembro-me duma época em que era uma data esperada com ansiedade. As festas eram poucas e as oportunidades de diversão também. Era o dia em que estreávamos uma roupa nova catita e os sapatos que nos acompanhariam nas cerimónias durante o resto do ano (era o Natal no Inverno e a festa no Verão). A missa solene era palco por onde desfilava toda a gente de bem e ai de nós que entornássemos algo que manchasse o vestido antes do fim da tarde (pelo menos).

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Acordávamos ao som de foguetes (hoje proibidos pelo risco de incêndio); durante a tarde as corridas de atletismo, bicicletas, de sacos ou o rally papper (descartadas pelas dificuldades de licenças devido ao corte de estradas), os torneios de chinquilho, as barraquinhas do tiro e do jogo das latas, a quermesse, o bar, os bolos, filhós e café. O restaurante sempre com filas intermináveis (lembro-me do ano em que acabaram os frangos! e o pão, a salada, bebidas... este ano foram as batatas fritas). Não importa se se colocam mais mesas ou se encomendam mais coisas, nunca chega :) Antigamente o frango vinha para a mesa apenas numa travessa da qual todos retirávamos pedaços e comiamos à mão. Era mesmo só a travessa na mesa, não havia pratos nem talheres para ninguém. A correria no "restaurante" mantém-se ano após ano, e quando o cansaço aperta e as coisas começam a correr mal por vezes as discussões acabam por explodir com gritos abafados pela música do Duo Musical, organista ou banda do dia.

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Lembro as primeiras paixões e como esperava pelos slows no baile com o coração a bater na esperança de ser convidada por "ele". E dos abraços mais apertados, dos "apalpões", dos beijos no pescoço escondidos pelo cabelo, no meio de uma multidão que dançava, os mais novos no meio para fugirmos aos olhares reprovadores (e zangados!) dos pais.

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Já nessa altura antes do baile existia o serviço. Comecei cedo a ajudar nos peditórios, na quermesse, no restaurante, no enfeitar do arraial com balões de papel que ano após ano recortávamos em papel crepe e que ficavam desfeitos nos anos em que chovia. Hoje temos bandeirinhas de plástico colorido mais práticas e igualmente bonitas. O arraial era montado no sábado da festa ou na véspera ao som das cassetes de música pimba gravada e a arrumação logo na segunda ou terça feira. Quase toda a população aparecia para ajudar e fazia-se tudo num instantinho. Depois era uma mudança rápida de roupa e que comece a festa! Madrugada dentro era preciso controlar os excessos das bebedeiras e por vezes a noite acabava no hospital para alguns.

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Com o casamento, o emprego e as filhas deixei de estar tão disponível para ajudar e passei a fazer parte do outro grupo que também é essencial para o sucesso da festa: o público. E durante alguns anos a festa perdeu o seu encanto para mim - era só mais uma, apesar de ser das mais animadas das redondezas. Este ano as miudas já estão mais autónomas e por algumas horas coloquei o avental e arranjei frangos, limpei mesas e louça ou qualquer outra coisa que me pediram . Não fiz muito, à meia noite já a pequena pedia para dormir no meu colo. Fiz o que pude e durante aquelas horas de novo a festa voltou a ter encanto, a ser a festa da "minha" aldeia! Dancei duas músicas em vez de duas horas, bebi uma cerveja em vez de várias e quando sai do arraial olhei para trás e murmurei um "-Até para o ano!". Afinal, o que faz com que a festa seja parte de mim é aquilo que dou e não aquilo que ela me oferece. Soube bem voltar a fazer "parte da equipa", nem que tivesse sido só por um bocadinho :)

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