30 dezembro, 2008

O Jorge é que sabe...

Era uma vez...
Um tanque maravilhoso.
Era uma lagoa de água cristalina e pura onde nadavam peixes de todas as cores e onde todas as tonalidades de verde se reflectiam permanentemente...
Aproximaram-se daquele tanque mágico e transparente a tristeza e a fúria, para se banharem em mútua companhia.
As duas tiraram os vestidos, e, nuas, entraram no tanque.
A fúria, que tinha pressa (como sempre acontece com a fúria), pressionada pela urgência - sem saber porquê -, banhou-se rapidamente e, ainda mais rapidamente, saiu da água...
Mas a fúria é cega ou, pelo menos, não distingue claramente a realidade. Por isso, nua e apressada, pôs, ao sair, o primeiro vestido que encontrou...
E aconteceu que aquele vestido não era o dela, mas o da tristeza...
E assim, vestida de tristeza, a fúria foi-se embora.
Muito indolente, muito serena, disposta como sempre a ficar no lugar onde estava, a tristeza terminou o seu banho e, sem pressa - ou, melhor dito, sem consciência da passagem do tempo -, com preguiça e lentamente, saiu do tanque.
Na margem, deu-se conta de que a sua roupa já lá não estava.
Como todos sabemos, se há uma coisa que não agrada à tristeza é ficar nua. Por isso vestiu a única roupa que havia junto do tanque: o vestido da fúria.
Contam que, desde então, muitas vezes nos encontramos com a fúria, cega, cruel, terrível e agastada. Mas se nos dermos tempo para olhar melhor, apercebemo-nos de que esta fúria que estamos a ver não passa de um disfarce e, por detrás do disfarce da fúria, na realidade, está escondida a tristeza.

(in "Contos para Pensar" de Jorge Bucay)