30 abril, 2009

Desta vez é na "Calibre12"

Gostaram e que resolveram publicar :) aqui




CÃO GRANDE
Doem-me todos os ossos... Ainda sou novo, mas as cicatrizes lembram-me que tenho que ter mais cuidado da próxima vez, ou então não chego a netos.
Mas que hei-de fazer? Assim que o matilheiro abre a porta e afasta aquelas grades, ferve-me o sangue e esqueço tudo! Enfeitiçado pelo odor que me chega do mato lanço-me no rasto do animal, incitado pelos gritos de “-Vai, vaaaaaaii!!” .
E eu vou! E atrás de mim ou outros, num alvoroço louco de quem adivinha o perigo das navalhas afiadas, mas ainda assim não pensa em mais nada a não ser no agarre!
Às vezes corre mal. Esta noite somos menos três no atrelado, o Salazar trás pontos no lombo e a Nina coxeia duma pata.
Mal entrámos na mancha cheirámos um, mas só lhe encontrámos a pata junto a um laço. Foi por pouco, o sangue ainda estava fresco... acho que o apanharam mais à frente. Devia ser um belo bicho! Quanto mais velhos são maior o “respeito”, mas também a vontade de os agarrar. Afinal só os mais espertos chegam a velhos. Mas acabam por cair...
“-Vai, vaaaaiii!”... e eu vou! Mas hoje não correu bem. O terreno era diferente, perdemos o rasto no rio e os mais novos distraíram-se com algumas ovelhas e lá ficaram a latir. Palermas! Falta de rodagem, é o que é!
Enquanto corriam atrás da lã, os restantes demos com novo rasto, mas com a matilha dividida não é o mesmo. O balázio não foi suficiente para o parar, o caçador temeu-se perante a fúria do bicho e o raio do matilheiro nunca mais chegava!
Doi-me tudo... mas agarrámo-lo! Ele também me agarrou uns bocados de pêlo, mas eu estou cá e ele a esta hora já foi transformado em troféu! Para mim ficaram as “medalhas” na pele.
Doi-me tudo... Quero a minha ração e aquele liquido amarelo que arde nas feridas mas alivia.
Aiiii, doi-me tudo! Mas amanhã já passou e quando ouvir “-Vai, vaaaaaiiii!” eu esqueço tudo e vou!


(dedicado ao "meu" Cão Grande, com todos os seus arranhões e dores no final de cada jornada)